segunda-feira, 22 de março de 2010

A palavra dos militantes - Partidos à imagem e semelhança do parlamentarismo liberal ...

A vida dos e nos partidos à esquerda, deveria ser transparente, democrática e discutida sádiamente por todas e todos que querem uma alternativa socialista de poder.

Isto porque, pelo menos na teoria (!), as esquerdas estão comprometidas com as lutas e os movimentos sociais em busca por uma alternativa política. Não estão, ou melhor, não deveriam condicionar a sua acção às chamadas agendas do parlamentarismo, por mais favorável que a composição parlamentar fosse para as esquerdas.

É dificil, é mesmo dificil, pretender-se que um socialista (dos que ainda o são, dentro do PS), um bloquista, um comunista e um anarquista aceitem discutir entre si, as perspectivas quanto à tal alternativa política. Antes que isso acontecesse, já cada um desses activistas estaria alerta à defesa das "fronteiras" para que o seu "espaço partidário" não fosse "violado" ... a consciência de classe, a percepção de que a luta política da esquerda está, teria de estar, enquadrada no processo de luta de classes, há muito que parece ter passado à História ... mesmo à esquerda, o que todos acabam por desenvolver é luta partidária com vista a um "bom score" nas próximas eleições!

A luta partidária em vez da luta política enquadrada no processo de luta de classes, tem tornado os partidos de esquerda muito semelhantes, quanto ao seu funcionamento e ao relacionamento inter-militantes, aos partidos defensores da chamada democracia liberal parlamentar. O partidarismo é comparável a um qualquer clubismo, e, a partir daí, os militantes passam a ser aderentes configurados para a defesa tendencialmente acrítica dos "líderes" e das "direcções" ... uma espécie de estalinismo misturado com clubismo parlamentar!!

No último Congresso do PSD, Santana Lopes propôs e os congressistas aprovaram uma monumental "lei da rolha" para este partido. Alguns chamaram-lhe "estalinismo", mas como estamos à direita, o que aconteceu foi uma espécie de aplicação a um partido das leis securitárias que o liberalismo tem produzido, planeta fora, na sua fase de globalização ... isso, o liberalismo do século XXI é também, nomeadamente nas suas expressões políticas, uma nova forma de totalitarismo! Tudo é controlado, tudo é penalizável ...

Santana Lopes tornou mais claro o que às vezes já parece acontecer em todos os partidos, da esquerda à direita, do espectro parlamentar: no seu interior o clubismo partidário gerou medos, subordinações cegas às direcções e, como nesta sociedade, regras aparentemente democráticas, mas sem qualquer expressão prática no dia-a-dia!

Todos os actuais partidos parlamentares têm no seu historial, registos de sanções administrativas, as quais, no momento em que acontecem, são sempre "justificadas", mas que, passado algum tempo, começam logo a ser relativizadas e questionadas, até por quem as aplicou!

Nos partidos à esquerda, por exemplo, no PCP e no Bloco de Esquerda, o tal clubismo também vai ganhando peso e forma. São partidos que gostam de situar a sua acção no plano das lutas sociais (às vezes nem se percebe se luta social é o mesmo que luta de classes ...), mas que no seu seio reproduzem os tiques e as restrições politicas da democracia liberal parlamentar.

Um comunista e um bloquista, infelizmente só se toleram no plano político, apesar de, no campo social, serem aliados em muitas e muitas lutas. É muito dificil passar das acções sociais para as acções politicas mantendo uma mesma postura unitária!

No interior do Bloco de Esquerda, definido como partido-movimento, fundado pela convergência de correntes com património muito diferente, o que deveria ser um exemplo de construção de um novo tipo de organização, corre o risco de se tornar muito parecido com o que já existe.

No interior do BE, o excelente crescimento eleitoral e parlamentar, tem levado a um certo esquecimento da intervenção no processo de luta de classes, tem subordinado a acção aos objectivos eleitorais e, como consequência, tem mantido uma mesma direcção política, pressupondo que sem ela e para além dela, não haverá mais nada. Ora, a actual direcção política não é homogénea, mas representa, as três correntes fundadoras do Bloco, as quais souberam, ao longo de anos, manter um controlo apertado sobre a estrutura bloquista, sabendo, cada corrente, com que se ocupar (entre as estruturas, a acção parlamentar e o contacto com os media),para não deixar escapar o controlo de todo o BE.

As três correntes fundadoras - o PSR, a UDP e a Política XXI - até se dissolveram enquanto "partidos". Passaram a "Associações". Dizem que não são "correntes". Mas (e este mas é tramado!) continuam a ter militantes, continuam a ter orgãos escritos e na net, continuam a ter congressos/encontros. E, através deste é-mas-não-é, as três correntes conseguem manter o tal controlo sobre toda a estrutura partidária.

Qualquer nova corrente que surja, terá, como é costume numa sociedade dita "de mercado", muita dificuldade em singrar, já que o "mercado" está muito bem controlado pelos que já lá estão! Mas, atenção, continua a existir "democracia", "liberdade", etc e etc...

Este cenário, que acaba por ser uma expressão do funcionamento do parlamentarismo burguês no interior de qualquer partido, cria muitas condicionantes na acção individual dos militantes. Uma dessas condicionantes é a sensação de só conseguir fazer alguma coisa visível desde que acompanhando as acções das maiorias. Caso contrário, entre declarações formais de "respeito" por parte da maioria, avoluma-se uma sensação de receio, de inutilidade ... até ao ponto de os militantes com acções "minoritárias" serem psicológicamente empurradas para fora!

Quando o Bloco surgiu, costumava declarar que queria "correr por fora"! Provavelmente a solução para a democratização, para o combate ao tal clubismo imposto pelo parlamentarismo burguês, passa pelo voltar a "correr por fora", o que quer dizer, integrar a luta partidária numa luta politica subordinada ao processo da luta de classes!

João Pedro Freire - Matosinhos - 8339

Sem comentários: