sábado, 20 de março de 2010

A palavra dos militantes

Um abaixo-assinado está a circular pela militância do Bloco de Esquerda a solicitar a convocação de uma Convenção Nacional para decidir quem será o candidato que o BE apoiará nas eleições presidenciais de 2011. O Ruptura/FER apoia e participa desta iniciativa.

A Comissão Política do BE, pelo contrário, disse considerá-la “um erro político e uma irresponsabilidade que prejudica a intervenção do BE”. Consideramos que erro político e irresponsabilidade é justamente o que está a fazer a direcção do partido. Erro político porque faz uma opção errada ao apoiar Manuel Alegre, o provável candidato do governo PS. Irresponsabilidade porque, ao fazer esta opção, enfraquece a luta contra o governo e gera confusão entre os apoiantes da esquerda, e do BE em particular. A oposição ao governo sai, deste modo, enfraquecida. Aliás, segundo as sondagens não será por caso que o BE está estagnado e o partido de Paulo Portas a subir.

Mas há um terceiro aspecto, também importante, nesta opção da direcção do BE: tem a ver com a democracia interna do partido. Um dos argumentos apresentados pela Comissão Política para recusar a convenção é o de que Manuel Alegre teria sido o candidato indicado pela VI Convenção Nacional do BE, ocorrida em 2009. Nada mais falso. O que foi aprovado na VI Convenção Nacional foi, sim, uma indicação vaga – “o Bloco de Esquerda defenderá a necessidade de uma candidatura presidencial da convergência mais ampla possível para a luta política da esquerda” –, mas nenhum nome foi submetido à votação.

“Prodigiosa fantasia”

Na VI Convenção, quando a Moção C acusou a Moção A, afecta à direcção do BE, de querer, através dessa formulação vaga, deixar passar o apoio encapotado a Manuel Alegre, que desde aquela época estava a reaproximar-se do governo Sócrates com vista às eleições presidenciais, o deputado Luís Fazenda fez uma intervenção “clarificadora”: “Os camaradas da Moção C inventaram até essa prodigiosa fantasia de que iríamos eventualmente ter um candidato às presidenciais em comum com o governo. É caso para dizer que só contaram para vocês”.

Portanto, não só o nome de Alegre não foi submetido a votação como os representantes da Moção A negaram taxativamente qualquer possibilidade de o BE ter um candidato em comum com o governo. Pois a “prodigiosa fantasia” tornou-se realidade: o BE, caso seja mantida a decisão da Mesa Nacional, muito provavelmente terá um candidato às presidenciais “em comum com o governo”. Considerar a candidatura de Manuel Alegre uma candidatura suprapartidária é um argumento pouco sério, pois todo o país sabe que não corresponde à realidade.

“Esquerda grande”

Segundo o mesmo texto enviado aos primeiros subscritores do abaixo-assinado para informar sobre a sua decisão de recusar a Convenção Nacional, a Comissão Política alegou que “a orientação maioritária aprovada na VI Convenção do Bloco de Esquerda era continuar a juntar forças para uma esquerda grande contra as políticas liberais”. Políticas liberais essas implementadas actualmente pelo governo Sócrates com o apoio da direita. Há duas perguntas a fazer. A primeira: como juntar forças contra as políticas liberais deste governo apoiando justamente um candidato deste governo? A segunda: a tal “esquerda grande” inclui o PS?

Se foi correcta a aproximação do BE a Alegre quando Alegre se distanciava do governo Sócrates/PS e votava contra este em algumas matérias importantes, como no Código do Trabalho, a situação agora é bem diferente. O rumo de Alegre foi alterado a partir de meados de 2009, quando manifesta o seu apoio à candidatura de Sócrates a primeiro-ministro, explícita na sua presença, ao lado deste, no comício de Coimbra. Assim como Alegre adoptou posições correctas em algumas matérias, é verdade também que votou junto com o governo na maioria das vezes. Votou a favor de vários orçamentos de austeridade do governo Sócrates; é favorável à manutenção de Portugal na NATO e à sua permanência nos vários teatros de guerra – Afeganistão e Líbano.

O diálogo do BE com Alegre, no passado recente, quando este protagonizava uma viragem à esquerda e criticava o governo Sócrates, foi correcto. O que se questiona é a manutenção desse diálogo quando a situação é oposta, isto é, quando Alegre apoia o governo. Neste último caso, de facto, este diálogo serve os interesses da política liberal, pois dá-lhe uma cobertura de esquerda.

Divergências explícitas

O texto da Comissão Política diz que só “faz sentido convocar uma Convenção Extraordinária por razões excepcionais e por divergências importantes e explícitas”. Pois existem razões e divergências, ambas importantes e explícitas.

A principal razão é que a Conferência Nacional decidiu uma coisa e está a ser feita outra. O que se quer é que a militância bloquista possa escolher com clareza, sem subterfúgios, o candidato que apoiará nas presidenciais. Todos têm que ter direito a fazer a sua opção de forma clara, inclusive aqueles que defendem Manuel Alegre. O apoio a Manuel Alegre votado numa convenção, se este for o desejo da maioria, será sempre preferível à actual situação em que é uma escolha sem um debate alargado e a ponderação de outras possibilidades de candidaturas.

Quanto às divergências, estas ficaram explícitas na Mesa Nacional. Na última Mesa Nacional (Janeiro de 2010) foi apresentada uma proposta ao texto da Comissão Política contrária ao apoio a Manuel Alegre e defendendo que o BE “deveria procurar activamente uma candidatura fora da área governamental”. Esta proposta foi a votos, foi derrotada, mas foi apresentada e defendida explicitamente ainda antes de se poder conjecturar a candidatura de Fernando Nobre.

Ofensa à democracia do BE, como nomeia a Comissão Política a iniciativa do abaixo-assinado, é, sim, votar uma orientação numa Conferência Nacional e implementar outra com o argumento de que todos “sabiam o que estavam a decidir”. Mais uma vez: “É caso para dizer que só contaram para vocês”.

Irresponsabilidade que prejudica a intervenção do BE não é o recurso a uma discussão ampla no interior do partido, mas a decisão precipitada por uma candidatura que colocará o BE ao lado do governo e que trará, inevitavelmente, resultados desfavoráveis ao nosso partido. Como aconteceu recentemente quando o BE firmou um acordo com António Costa e o PS em Lisboa, cuja consequência foi a não eleição de um vereador para a Câmara.

Alternativas políticas

Outra acusação da Comissão Política é a de que a petição propõe uma convenção extraordinária sem alternativas políticas. É falsa, mais uma vez, esta alegação. Existem hoje, já formuladas explícitas ou implicitamente, três posições a serem discutidas nessa convenção, desde que a direcção do BE a convoque: (1) apoio à candidatura de Manuel Alegre, posição da direcção do BE; (2) apresentação de uma candidatura própria, tal como nas duas últimas eleições presidenciais, proposta apresentada pelos subscritores deste texto; e, por fim, (3) apoio à candidatura de Fernando Nobre, que naturalmente surgirá de outros sectores do BE.

Acusam-nos, ainda, de prejudicar a actuação do BE com esta petição. Inversamente, consideramos que a petição e a convocação de uma conferência extraordinária e, até, a retirada do apoio a Manuel Alegre, poderão salvar o BE de um desastre. Deste modo, mantemos o apelo a todos os militantes e filiados do BE a que assinem a petição para a convocação de uma Convenção extraordinária.

Gil Garcia - Amadora
João Pascoal - Lisboa
Cristina Portella - Lisboa
Eduardo Henriques - Almada
Hugo Bastos - Coimbra
Carla Mendes - Viseu
Diana Curado - Braga

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